Com a manifestação realizada pela família, e as evidências de descaso policial estampadas na imprensa local na primeira semana do desaparecimento, o Governo do Estado do Tocantins precisou agir e, de algum gabinete do Palácio Araguaia, sede do Executivo Estadual, partiu a ordem para dar prioridade ao caso.
Após o boletim do desaparecimento de Laura ter sido registrado no plantão da Central de Flagrantes, o documento seguiu para a Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA).
Contudo, devido a repercussão negativa de que a polícia sequer havia obtido as imagens das câmeras de segurança nos primeiros dias, a investigação foi remetida por canetada para a Divisão de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP).
A DHPP não foi escolhida para assumir o caso de forma aleatória, inclusive, no momento não haviam indícios que apontavam para crime contra a vida. O caso foi para esta divisão, entre outros fatores, pela boa fama que tinha na resolução de crimes de grande repercussão no estado.
Foi em 2015, por exemplo, que a DHPP, sob a liderança de Sérgio Vasconcellos Kenupp, concluiu a investigação do assassinato da professora Heidy Aires, ocorrido em dezembro de 2014 em Palmas. A polícia apontou como responsável o marido Allan Moreira Borges, o qual foi absolvido por um Júri Popular em 2019, anos depois.
O memorando que enviou o caso Laura para a DHPP continha as seguintes informações preliminares:
· Boletim de Ocorrência nº 1680 E/2016;
· Depoimentos dados na DPCA por Sione Pereira e Maria Alice Viturino (mãe de Rafael Viturino);
· Uma fotografia de Rafael Viturino e contatos telefônicos;
· Relatório de Ordem de Missão Policial.
Somado ao primeiro depoimento de Sione, que deu declarações apontando o Rafael Viturino, outros depoimentos também levaram, em parte, para esse cenário de suspeição contra ele.
No dia 13 de janeiro, na quarta-feira, Lívia Santos Brandão (cunhada de Gênesis Ribeiro, pai biológico de Laura) prestou depoimento ao delegado Sérgio Kenupp, informando que leu - pelas redes sociais – acusações parecidas e já relatadas à polícia.
Professora em Palmas, Lívia, ainda no sábado, 09, compartilhou nas redes sociais imagens e pedidos de ajuda em grupos de escolas e alunos da capital. Logo que as informações começaram a circular, “um dos seguidores, que prefere deixar no anonimato”, revelou que Rafael era traficante de drogas, conforme consta em depoimento.
“A mãe da criança, Sione Pereira de Oliveira é usuária de drogas, tinha um namorado por nome Rafael Viturino [...], que se diz ser pintor, mas na realidade não trabalha neste ofício e sim é um traficante de drogas; [Lívia] disse ainda, que Rafael seria o principal suspeito, devido ter tido relacionamento com Sione e que tal relacionamento teria sido rompido na sexta-feira [dia anterior ao desaparecimento]. Clique aqui.
Poucas horas após o depoimento de Lívia, a tia de Laura, Simone Pereira, prestou seu depoimento, a qual revelou, pela primeira vez, uma contradição nas declarações dadas pela irmã Sione na segunda-feira, 11.
Surgiu aqui a primeira contradição: em seu depoimento do dia 11, Sione havia informado que estava na casa de Zilneia, só que na região norte de Palmas, e que ficou por lá durante parte da manhã e parte da tarde. Informação que mostrou não ser verdadeira a partir da coleta dos depoimentos até agora.
Para ser confrontada no dia seguinte, o delegado Sérgio Kenupp a chama novamente para depoimento e Sione admite que mentiu, revelando de fato onde estava naquele sábado: na Casa de Prisão Provisória de Palmas, em uma visita íntima com o reeducando Marcos Antônio.
Marcos, naquela época, estava detido por assassinato e roubo. Atualmente, de acordo com o Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins, existem oito processos civis e criminais contra ele. Marcos chegou a prestar depoimento para a polícia e informou que conheceu Sione durante “festas” realizadas no presídio.
Essa visita revelou também o motivo de Sione não ter atendido as ligações e ter chegado em casa somente ao final daquela tarde: sem acesso a telefone, existe um horário de entrada e saída das visitas íntimas, que só acontecem e são permitidas em tempo determinado pela unidade penal.
Durante os dias que se seguiram, entre 14 e 15 de janeiro, a polícia coletou ainda mais quatro depoimentos: Gilsandra Pereira (avó de Laura); Marcyane Silva (amiga de Sione e Rafael); João Henrique Leal (proprietário do Supermercado Supremo) e Zilnéia da Costa (amiga de Sione).
Os depoimentos acima apontaram alguns fatos: uma discussão entre Rafael e Sione na sexta-feira, 08 de janeiro, dia anterior ao desaparecimento e que Rafael foi até o Residencial Flores da Amazônia no sábado, 09, durante a noite e a madrugada de domingo.
Rafael retorna para Palmas e presta depoimento à Polícia
Ao retornar de sua viagem a trabalho em Mato Grosso, Rafael prestou depoimento na polícia no dia 19 de janeiro, terça-feira, 10 dias após o sumiço de Laura.
Rafael estava na época com 18 anos e informou ao delegado Sérgio Kenupp sua profissão – que na verdade é de azulejista - e que trabalhava havia mais de dois anos com seu patrão, identificado como Marcione, e que viajaram juntos no dia 10 para Mato Grosso, na cidade de Santa Terezinha - 1.200 km de Cuiabá-MT.
Rafael então informou que iria embora para casa e se colocou à disposição para qualquer ajuda, conforme consta em depoimento.
O que se segue no relato são atividades que ele realizou entre os dias 08, 09 e 10 de janeiro daquele ano. Em resumo, no dia 08, Rafael foi para a casa de uma outra companheira, de tarde saiu para jogar bola e a noite retornou para a casa da mãe, onde dormiu até a manhã de sábado, 09.
Rafael seguiu confirmando que foi até o apartamento de Sione por duas vezes durante a noite e madrugada em que Laura sumiu e encontrou com ela e mais duas amigas, porém, sem informar precisamente o teor da conversa.
Questionado pelo delegado Kenupp onde estava na manhã em que Laura desapareceu, Rafael informou que estava na companhia de um serralheiro para fazer algumas janelas que iria levar para Mato Grosso. Além disso, Rafael informou que sua viagem estava planejada há meses.
A polícia finalizou a oitiva de Rafael e seguiu ouvindo outras testemunhas. Uma delas, Gessyca Cruz, que conhecia tanto ele quanto Sione, afirmou no dia 21 de janeiro na delegacia que de fato a viagem de Rafael estava planejada há quase um mês.
Também no dia 21 de janeiro, o serralheiro de 40 anos citado por Rafael prestou depoimento, confirmando que havia produzido as janelas a pedido dele, encomendadas desde dezembro de 2015.
José Wilson, na época residente no setor Lago Sul, um conhecido serralheiro da região e com o apelido de “Dois Dinheiros”, disse que sabia há tempos da viagem para Mato Grosso e que Rafael estava em sua serralheria entre as 11hrs e 12:00 (horário em que Laura desapareceu).
O senhor informou também que é vizinho de Rafael há cinco anos e que nunca ouviu nenhum relato sobre seu envolvimento com drogas e outros crimes. “Se fosse usuário ou traficante já teria ficado sabendo, já que as informações naquele setor são veiculadas facilmente”, escreveu a autoridade policial no depoimento do homem.
Assim, no dia 21 de janeiro, 12 dias após o desaparecimento de Laura, a primeira linha de investigação da polícia começava a ruir. Rafael tinha um álibi e as informações com relação à viagem após o desaparecimento estavam se encaixando sem anormalidades.
Rafael Viturino completou 26 anos em 2023 e nunca respondeu por nenhum processo na justiça - civil ou criminal, conforme o Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins. No inquérito de investigação sobre o caso Laura, existem depoimentos de outras pessoas que o conhecem e que negam seu envolvimento com tráfico de drogas ou outros tipos de crime.
Procurado para falar nesta reportagem, Rafael não foi localizado. O espaço para manifestação segue aberto, assim como de todos os demais citados. Contatos podem ser encontrados no rodapé deste website.
Dessa forma, não restou alternativa aos policiais se não continuar a investigação procurando por novos suspeitos. O time da DHPP foi a campo, e revisitando depoimentos e novas conversas com testemunhas, algo surgiu que levou o caso para um rumo totalmente diferente.
Contudo, antes de iniciar a leitura da próxima parte, um pequeno desvio na investigação surgiu nos trabalhos da DHPP e seu teor é no mínimo curioso. Uma possível casa de prostituição infantil em Taquaruçu chama atenção da polícia.
Confira o adendo abaixo:
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